terça-feira, 25 de novembro de 2008

Na cabeça de Delmir.



- e aí cara, quanto tempo?
-...

Nada me respondeu. Delmir simplesmente olhou para mim balbuciou alguma coisa que não entendi. Estava muito mais atento às pessoas que estavam com ele. Eram guardadores de carro que me abordaram assim que estacionei ao lado da padaria. Delmir estava com eles, ou não, não sei. Mas que porra que o Delmir estava fazendo com os flanelinhas?
Insisti.
- quanto tempo hein?
-... É.
Pensei. Merda, será que foi a porra do martelo?

Delmir, seu nome é Delmir, que já era bastante diferente dos nossos nomes de classe média. Nomes que eram moda na década de 70: Fabio, Paulinho, Beto, André, Marcelo, Ricardo, Rafael, Frederico, Daniel. Talvez fosse uma homenagem a algum avô, tio, pai, sei lá.
Mas além do nome, ele era completamente destoante de nós. Era o mais inteligente, o mais esperto, humor ligeiro, ácido e doce ao mesmo tempo. Não era bonito, não era esportista, não tinha meninas atrás dele, era um tipo reservado, acanhado. Pela maioria das pessoas era tido como um perdedor, o cara que ninguém queria perto. Seus gostos sempre foram insultantes, sua atitude desafiadora. Para nós, um pequeno grupo de adolescentes com aspirações revolucionárias de bairro classe média, tinha nele, uma admiração de conduta, era tudo o que nem sonhávamos, poder ser. Era avesso, oblíquo.

Bebemos, fumamos, sorrimos e choramos, algumas várias vezes. Éramos um grupo de cinco adolescentes. Sabíamos pouco das coisas, pouco de nós mesmo, e muito menos de Delmir.
Não sei se morava com o pai ou padrasto, vi seus irmãos algumas vezes, sua casa nunca tinha certeza se era a 173 casa branca com portão baixo, ou se era 176 casa amarela de muro alto. Não era mistério, nem displicência nossa, simplesmente não importava.
Sabíamos de uma certa dificuldade de relacionamento que ele tinha com a sua família. O pai ou padrasto, cara difícil, sisudo, violento, castrador. A mãe, omissa, desajeitada, ignorante, sorridente. Sua irmã? Não sei, só sei que tem uma irmã e um irmão.

O tempo e a vida seguiram. Crescemos, namoramos, trabalhamos. De repente não éramos mais próximos, não nos víamos mais, não nos falávamos mais, não éramos mais o que um dia fomos.
O mundo para mim já era outra coisa, quando começou um boato sobre Delmir. Numa discussão familiar, seu pai ou padrasto, bêbado teria dado algumas marteladas em sua cabeça e o expulsado de casa.
Marteladas? Martelo, aquela ferramenta para pregar, esmagar? Na cabeça de Delmir? Não acredito. Bairrozinho de merda, fofoqueiros...

Mais de uma década sem ver Delmir. Paro o carro para comprar pão antes de visitar minha mãe. Lá está Delmir. Roupas sujas, cabelo longo sem corte, andar com dificuldade, sem sorrir, sem falar direito.

- Caralho Delmir, você não está me reconhecendo?
Desviou o olhar dos seus amigos guardadores de carros, e os fixou em mim.
- Tô... Mas não importa.
Saiu. Realmente sem se importar...

Às vezes o vejo andando pela rua, dando voltas intermináveis no quarteirão, muitas vezes com a mesma roupa de vários dias...

Daquela vida, daquele tempo... Nada mais importa...

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